quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Escolhendo o caminho a seguir - Parte 1

Quando o cidadão vai recomeçar a vida em outro país, pode haver uma infinidade de opções e caminhos a serem escolhidos e trilhados. Ele pode, por exemplo, chegar e sair distribuindo currículos, batendo na porta das empresas e já enfrentar a batalha pelo primeiro emprego; ele pode voltar aos estudos, seja em um college ou universidade; ele pode tirar um ano sabático e ficar passeando pela  cidade, pela província e pelo país, buscando assimilar mais a cultura; ele pode casar com um(a) nativo(a) rico(a) e viver da renda dele(a);





 e por aí vai.

O que vai definir qual caminho o cidadão vai seguir é um conjunto de fatores envolvendo as situações pessoal e profissional, além da disposição do dito cujo em inovar, digamos assim. Por exemplo, se a profissão do abençoado está em alta demanda, se ele é especializado ou tem anos de experiência que são facilmente transferíveis para a nova vida, e se ele sente arrepios de prazer com a profissão que escolheu, talvez não haja motivo para ele ficar perambulando por aí. Ele poderia, já de cara, ir bater na porta de empresas e vender seu peixe. Mas, se a profissão requer que ele faça um curso, obtenha um determinado diploma ou seja aceito por uma determinada ordem, pode ser que chegar e meter a cara nos livros seja mais interessante, pensando no futuro. Ainda assim, nada é certo nesta vida e, além disso, cada ceru mano é único. A pessoa pode chegar lá no país de destino super bem preparada, profissionalmente falando, mas resolver que quer se dedicar a cuidar de coalas nessa nova vida (e correr atrás disso), ou pode mal ter dinheiro para três meses de vida na nova pátria e, ainda assim, achar que merece tirar um ano de descanso e dar uma de mochileiro.


E onde é que eu quero chegar com essa apologia da diversidade? Bom, nas próximas semanas estarei encerrando uma vida, daí terei um intervalo, digamos assim, para daí começar uma outra lá no Canadá, mais especificamente na província do Quebec, mais especificamente ainda em Montreal. E aí, como vai ser essa nova vida? Vou chegar chutando a porta do mercado de trabalho? Vou esquentar banco de universidade? Vou fazer qualquer coisa até ver qual é a minha praia nesse novo mundo? Vou tomar conta de coalas (ou de alces, ursos, ou de crianças que correm o risco de ser raptadas por águias em parques públicos)?






 São perguntas que precisam ser respondidas o mais rápido possível se eu não quiser perder algumas oportunidades.


Falando honestamente, eu não acho que eu tenha condições de encarar o mercado de trabalho pra valer na minha área assim que chegar. Como já mencionei antes, uma das características mais tenras do serviço público é fazer você se tornar, gradualmente, alguém completamente alienado ao que se passa à sua volta, principalmente em termos profissionais. É um outro mundo, e, nesse mundo, você não adquire exatamente muitas competências, na maioria dos casos (mas incompetências, ah, aí tem de monte!). Então, posso declamar um poema falando sobre certas qualidades pessoais que adquiri ou foram desenvolvidas nesse tempo, mas, na prática, muito pouco será levado para um novo trabalho. Quanto à minha área específica, como ela ficou em quinto plano, não há tanta experiência recente que eu possa exibir com orgulho, principalmente nos últimos anos. De forma que, sim, eu posso tentar algumas vagas específicas (tenho algumas em mente, em empresas específicas), mas, com certeza, não serão vagas com pagamento elevado (ou mesmo mediano). Seriam vagas do tipo survival job na minha área. De qualquer forma, isso não seria ruim, se me der uma graninha e permitir que eu adquira um pouco de experiência canadense já na minha área.


Então essa seria a opção de trabalho mais próxima da minha realidade, de acordo com método científico rigorosamente testado, comprovado e aplicado (também chamado de "minha opinião com base em nada concreto fora navegar na Internet e ler bastante").


Mas por que não passar um tempo, digamos, o primeiro ano - em que tudo é belo, tudo é perfeito, aquele em que a neve tem um brilho especial só pra você, em que você come poutine todo fim de semana e acha que nunca comeu coisa igual, em que cada bonjour hi pronunciado por um vendedor soa como uma peça de Mozart esquecida e recuperada - porque não passar um tempo fazendo algo que pode te dar as ferramentas necessárias para já brigar por algo profissionalmente mais palatável?



Clique aqui para ler a parte 2!

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Frustrações de uma Vida não Iniciada

Essa fase na qual me encontro no momento é, ao mesmo tempo, extremamente empolgante e incrivelmente frustrante. É aquela na qual você quer começar a sua nova vida, mas ainda não encerrou o ciclo da antiga e, portanto, não tem como dar o primeiro passo de fato. Trocando em miúdos, é estar meio cá, meio lá.

De um lado, você está aqui, separando roupas e utensílios de cozinha para doação, tentando organizar, no meio do ninho de cobra da bagunça que só aumenta, o que vai e o que fica. Do outro, tem todas aquelas pesquisas que você faz, pensando em como sua vida poderá ser, tentando antecipar alguns problemas ou dificuldades e se planejando para lidar com tudo isso. O problema é que a distância física da nova vida te impede de ir além de um determinado ponto, o que, às vezes, faz você querer tirar as calças e pisar em cima.

Exemplificando:

Moradia

Acredito que seja a principal preocupação de quem chega. Ainda que você tenha algum conhecido que gentilmente se ofereça para te hospedar na sua chegada, na maioria das vezes você vai querer (ou precisar) arrumar um canto só seu o quanto antes. É o meu caso. Se aparecer alguém disposto a me tolerar por algumas semanas, ótimo, mas eu ficaria incomodado se minha estadia se prolongasse muito porque (1) eu gosto de ter o meu canto e (2) sou o tipo de hóspede que sempre está com receio de incomodar o anfitrião. Então, ainda que seja melhor do que ficar torrando grana em hotel, eu não ficarei 100% tranquilo enquanto não achar o meu canto

O que tenho feito: olho com alguma frequência os sites de anúncios de aluguel de imóveis, como o Kijiji e o Padmapper. Leio blogues de quem já está morando lá em Montreal, principalmente os posts relacionados aos bairros e ao tipo de residência. Teve a viagem que fiz a Montreal ano passado também, que ajudou a colocar um pouco em perspectiva o tamanho da cidade.

O que tirei de bom até agora: basicamente, a média de preços (o que permite te dar uma ideia de quantas moedas de ouro serão consumidas na brincadeira de pagar aluguel mensal) e uma ideia geral dos bairros da cidade. Ah, e, às vezes, você esbarra em algo que parece ter sido feito pensando em você, com carinho de mãe. E daí devaneia, imaginando como sua vida será perfeita lá na parte de cima do mundo!



Por que é frustrante: estando neste hemisfério, tudo o que posso ver são fotos. Não posso ir visitar, não posso ver o tanto que as fotos correspondem à realidade, não sei como a parte do contrato funciona na real, não sei se o proprietário irá com a minha cara ou se meu inglês e francês serão suficientes pra não ser enrolado. E sabe o apê construído com esmero, que você viu num anúncio ontem como um sinal divino da sua futura vida perfeita? Pois é, você não pôde ir lá e, no dia seguinte, o anúncio já foi tirado do ar porque alugaram.




Móveis, roupas e utensílios

Como já falei em algum post do passado, eu descobri que posso viver com pouco em casa, principalmente quando a situação é incerta. Vim pra São Paulo não pensando em ficar vários anos, mas voilà! E aí descobri que posso viver, por exemplo, sem conjunto de mesa com seis cadeiras ou fogão quatro bocas high-tech. Mas, ainda assim, alguma coisa a gente acaba tendo de comprar, né? Roupas então... porque eu que não vou tentar encarar -20°C com meu casaquinho da C&A.

O que tenho feito: só pesquisa mesmo em sites, como o da IKEA, Wallmart ou The North Face. Há uma variedade grande, para todos os gostos.

O que tirei de bom até agora: É outra maneira de você ver as moedas de ouro que podem ir embora nos primeiros meses. E, se você ainda está em estado de nirvana porque encontrou a casa dos sonhos no Kijiji e resolve pensar nos móveis para cada ambiente, rapidinho a pesquisa deixa de ser pesquisa e volta a ser devaneio.



Por que é frustrante: porque eu ainda não tenho casa, não sei o tamanho dela, não sei nem se vai ter mais de um ambiente, quanto mais se vai precisar de mesa de canto. Alguns apartamentos tem geladeira e fogão incluídos no preço do aluguel, alguns prédios têm máquina de lavar e secar comunitárias, outros não.. então, acabo tendo uma ideia de preços, mas, no fim, é como se eu estivesse jogando The Sims.




Trabalho

Aqui é onde o monstro embaixo da cama reside, no meu caso. Minha área (línguas estrangeiras e tradução) tem uma certa demanda (escutei alguém de TI rindo aí?), mas, em se tratando de inglês e francês, eu não tenho como concorrer muito com nativos logo de cara. Então sei que há um loooooongo caminho pela frente, e eles não são pavimentados exatamente com tijolos amarelos.

O que tenho feito: continuo coletando vagas pela internet, visitando sites de empresas e de profissionais autônomos. Minha vida profissional vai mudar radicalmente.

O que tirei de bom até agora: já deu pra ter algumas ideias em relação a encaixar meu perfil, e ver quais requerimentos e atributos precisarei desenvolver para determinadas vagas. Além disso, tenho consultado mais algumas outras opções que não estão diretamente ligadas à minha área, mas que podem me ajudar e até, quem sabe, se tornar meu ganha-pão principal.



Por que é frustrante: eu ainda não dei a cara a tapa, não mandei currículos nem contatei possíveis empregadores. Poderia ser um termômetro para ver como estaria a aceitação do meu currículo e experiência atuais, mas, lembrando que eu fiquei os últimos sete anos atrofiando o cérebro no serviço público, digamos que eu já tenha uma ideia. E, se você começa a duvidar que pode encontrar algo legal, logo, logo está imaginando que outras opções você terá se tudo der errado.




Estudos

E, em parte pelo receio de não encontrar trabalho, em parte por vontade mesmo, eu acabo voltando à ideia de estudar. A ideia, pra mim, é de recomeço mesmo, nesse caso: voltar para os bancos da faculdade, e estou falando de graduação, não de mestrado ou doutorado (embora não descarte estes). Se é pra recomeçar, talvez eu deva recomeçar direito.

O que tenho feito: entro em dezenas de sites de colleges, CEGEPS e universidades. Listo cursos que me agradam, aqueles que não faria nem por decreto, me informo sobre os custos. Tem muita informação sobre tudo, e as opções são as mais variadas. De gastronomia a mecânica de aviões, de metalurgia a Ph.D. em estudos africanos, dá pra gastar um bom tempo namorando os cursos. E, como eu sempre curti estudar e o meio acadêmico, é difícil parar de pesquisar e de imaginar as aulas.



Por que é frustrante: a perspectiva de estudar em outro país, em outro idioma, sempre foi empolgante, mas também intimidante pra mim. A duração do curso também pode vir a ser um problema. Se eu começo uma graduação, são três ou quatro anos de estudo pela frente. Como tenho o péssimo hábito de gostar de assuntos que não dão um emprego líquido, certo e prático no mundo real, pode ser que eu tenha que fazer mais um ou dois anos de mestrado, e três ou quatro de doutorado. Pense em dez anos estudando!!! Além disso, o fato de não estar ainda nas terras geladas dificulta um tanto o acesso a informações mais precisas. Pra dar um exemplo: eu me interessei pelo curso de Literatura Inglesa na McGill. PARECE, pelo que pesquisei e pelo que disseram em resposta às minhas dúvidas, que eu só poderia tentar entrar como Mature Applicant. Pois bem, uma das exigências para entrar nessa condição é concluir dois cursos ou disciplinas como pré-requisitos na área de interesse. Tentei conseguir mais detalhes sobre isso e disseram que eu poderia cursar essas disciplinas em CEGEPS, colleges ou na própria universidade. Perguntei o que seria aceito como pré-requisito para Literatura Inglesa e daí falaram pra eu entrar em contato com o Departamento de Inglês. Mandei um e-mail e me disseram que eu tinha que falar com o setor de admissões. Fiz isso e me disseram que eu tinha de contatar o Departamento de Inglês (!). Fiz isso de novo e disseram que eu tinha que cursar "alguma coisa como English Reading and Writing" em um CEGEP ou college. Entrei em contato com um college., expliquei a situação e me responderam dizendo que, no meu caso, é melhor cursar os pré-requisitos direto na universidade, porque tenho nível superior e pularia a etapa do college (!!). Agora, como eu faço isso se a universidade disse que eu tenho que fazer isso num college?



Perguntei também se eu poderia cursar matérias avulsas no college pra servir como pré-requisito. Ainda estou aguardando uma resposta, mas já deu pra sentir o drama, né? Será que o sistema de educação canadense é um tanto misterioso até para os canadenses ou sou eu que sou obtuso, produção?

Conclusão

Adivinha? Realmente, não dá pra passar o carro na frente dos bois. Enquanto eu estiver aqui no Brasil, só poderei ter uma visão parcial das coisas e acesso limitado às informações. Pesquisar e se informar é bom, mas também pode ser extremamente frustrante quando não leva diretamente a uma solução ou decisão. Então, nessas horas, é bom simplesmente ir estourar umas cabeças jogando GTA.

À bientôt!


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Express Entry: o novo processo de imigração pro Canadá

Quem acompanha essa vida de imigração pro Canadá há algum tempo já sabe que, a partir do ano que vem, haverá um novo processo: o Express Entry ou Entrée Express, conforme seu aparelho fonador preferir. Tido como algo algo semelhante à Segunda Vinda de Cristo em matéria de imigração para o Canadá, esse novo processo promete entregar vistos em até seis meses (!) para os candidatos que forem convocados, acabando com a jornada para destruir o Um Anel que é o processo atual.

Meio mundo quer saber os detalhes, como vai ser, como não vai ser, mas, para falar a verdade, o grosso já se tem há um tempo. Em resumo, é o seguinte:

1) os candidatos preenchem um cadastro online;
2) o Ministério da Imigração avalia os cadastros e classifica os candidatos, montando, assim, uma espécie de ranking do eu-quero-ir;
3) os mais-mais desse ranking recebem um convite para fazer a imigração de fato.

-Beleza, vai ficar mais fácil e rápido! - exclama o incauto, batendo na perna e já estalando os dedos na sequência.

Bom, para alguns, sem dúvida vai ser mais fácil e rápido. Profissões em demanda, pessoas que já tenham formação acadêmica canadense e/ou experiência profissional no Canadá, e aquelas com uma oferta de emprego com certeza se beneficiarão desse modelo. As outras.. bom, como você deve ter notado, o processo passará a ser uma competição. Não será mais por ordem de chegada e, sim, por ordem de qualificação, digamos assim. O seu colega de projeto de imigração que tem mais ou menos o mesmo perfil que o seu não mais será um companheiro de jornada e, sim, um rival em potencial. E a única maneira de você fazer frente aos rivais do mundo inteiro talvez seja melhorar o seu currículo: aprimorar o inglês e o francês, fazer um curso no Canadá ou encontrar um emprego direto por lá.

Por outro lado, o governo canadense anunciou há algumas luas que pretende receber 285 mil imigrantes no ano que vem, o que seria um recorde. Então, pode ser que esse diabo nem seja tão feio assim.

Para quem tem interesse, os sites abaixo trazem um pouquinho mais de detalhes: 



E o Québec??


Este ano, foi dado um pontapé inicial para mudanças no processo pelo Québec também. Contudo, até o momento, a única coisa oficial que existe é um pronunciamento da Ministra da Imigração do Québec, dizendo que eles querem que tudo seja lindo e perfeito. O processo desde ano está fechado por já ter atingido o máximo de dossiês permitidos (6.500). As atuais regras valem até 31 de março de 2015 e, segundo as mais recentes palestras de imigração, o processo nos moldes atuais provavelmente continuará (mas, de novo, quem já acompanha essa novela de processos há um tempo sabe que isso não quer exatamente dizer muita coisa, néam?).

Quem quiser ler um pouquinho mais, taí:


À bientôt!

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Emigrar é abrir mão

Todos nós, que estamos saindo do Brasil para um outro país, passamos por isso num momento ou em outro (e você aí, que ainda está planejando, também passará): a gente conta pra alguém que vai emigrar, a pessoa fala algo tipo "que legal!", e começa a fazer perguntas. Em geral, elas querem saber se você está indo fazer intercâmbio ("como assim, você tem green card???"), se você já tem emprego lá ("como assim, você não tem???") e se você já tem contatos lá pra te ajudar ("como assim, você vai sozinho???"). Em geral, para por aí, a pessoa te deseja sorte, sorri e vai fazer o que estava fazendo antes.

Mas algumas pessoas vão além. Elas veem ali uma chance pra elas também e, naturalmente, querem saber mais! Aí, como boa pessoa, você explica mais. Fala sobre a palestra do escritório do Québec, fala sobre os requisitos, indica sites, blogues e tudo mais. A pessoa fica empolgada, vai pra casa, e, quando você a reencontra, pergunta se ela gostou das informações, se ficou animada para dar entrada no processo. E a resposta, em 99% dos casos que presenciei, foi algo do tipo:

-Ah, eu queria muito, mas meu caso é mais complicado...

Naturalmente, você quer saber o por quê, e pede ao cidadão ou cidadã de bem para que ela elabore essa frase genérica. E aí, em 95% dos casos, a resposta cai em algo semelhante às opções abaixo:

1. Ah, eu não posso largar meu emprego assim...
2. Ah, eu tenho filho(s)(a)(as)/família;
3. Ah, eu tenho um(a) namorado(a);
4. Ah, eu teria que recomeçar a vida;
5. Ah, eu teria que aprender inglês/francês/etc;
6. Ah, eu teria que ser rico(a)...

Há outras, mas a maioria das respostas costuma girar em torno dessas opções aí (às vezes, várias na mesma resposta). Antigamente, eu apenas sorria, falava algo bem vago também como "é..." e deixava por isso mesmo. Mas, depois do tempo todo de processo, vendo não só as minhas angústias, escolhas e decisões, mas a de outras pessoas também, eu respondo, em geral, com outra pergunta:

- E você acha que eu não tenho nada disso?

Uma vez, li o prefácio do livro de um escritor em que ele falava como as pessoas chegavam até ele e diziam que tinham muita vontade de escrever. Ele, por sua vez, perguntava o que as impedia, e elas diziam, em geral, que não tinham tempo. Assim, como se escrever, para ele, fosse um passatempo, um hobby, algo que ele fazia enquanto executava o trabalho "de verdade", aquele que, de fato, colocava o leitinho das crianças na geladeira. E ele falava que a diferença entre os escritores e os aspirantes era justamente essa: eles encaravam a escrita como atividade profissional, com horas de trabalho divididas, com planejamento e método, e não da forma que a maioria das pessoas imagina (algo como acordar às 10 da manhã, tomar um café da manhã até às 11, sentar na frente do computador, decidir que precisa de "inspiração" e sair para passear e por aí vai). Basicamente, eles abrem mão do conforto de ter um emprego das 8hs às 18hs, com salário fixo, pagamento no fim do mês, plano odontológico e vale-coxinha e se dedicam à profissão deles. Em sua, eles fazem uma escolha - ou várias - e se comprometem com isso.

O que isso tem a ver com a situação genérica que abriu o post? Tudo.

Quem nunca pensou seriamente em emigrar geralmente tem uma lista de obstáculos intransponíveis prontinha para ser apresentada caso perguntem "se você quer ir, por que não vai?". Não vou, de forma alguma, dizer que não existem situações que pesem mais que outras. Mas, no fim, é tudo escolha. É tudo uma questão de se você quer abrir mão de algo ou não. Se está disposto e preparado a sair da sua zona de conforto, ainda no Brasil, para ir atrás de algo diferente. E, no fim, é você quem sempre escolhe. Não é "a vida", " a situação", o "destino". É você, e só você. 

Você tem um filho pequeno? Tem gente que está emigrando com dois filhos pequenos, ou com um adolescente e um bebê de colo, com três filhos de todas as cores e tamanhos. Você tem família? Pois é, eu também. Estou deixando (de novo)  meu pai, minha mãe e minha irmã para trás, só as três pessoas que mais amo neste planeta inteiro, sem falar dos meus tios e primos mais próximos. Você tem um namorado(a)? Eu e várias pessoas já terminamos um namoro (em alguns casos, até um casamento!) por causa do processo. Você tem um emprego estável, que te paga bem? Deixa eu te contar que ninguém está indo para o Canadá ou para sei lá onde pensando em ficar rico (ou, pelo menos, não deveria estar). E eu mesmo estou largando um "belo" emprego no setor público, com pagamento certinho, com situação estável, em troca de, talvez, ter de me virar com empregos considerados "baixo nível" no  Brasil. Você está financiando sua casa? Eu e vários temos adiado a compra de um apartamento ou casa pra viver de aluguel baratinho e juntar dinheiro para ir embora. Você teria que recomeçar a vida? E o que você acha que eu e todos os outros que estão nessa jornada vão fazer? Ser amigo do rei? Um monte de gente, mesmo não querendo de saída, vai ter de voltar para cadeiras de universidade, refazer cursos, aprimorar experiência, reaprender a pegar ônibus, a falar, a agir, a pensar. Ninguém está indo continuar a vida. Todos estão indo recomeçar, seja em um ou em outro nível.

Enfim, pra encurtar algo que já está longo, quase ninguém emigra com uma situação ideal. A imensa maioria, a maioria esmagadora tem que correr atrás de tudo, seja antes do processo (aprender idiomas, fazer pesquisa, juntar papelada), seja durante o processo (mais papelada, paciência, espera, pesquisa), seja depois do processo (finalizar a vida no país de origem e começar outra no país de destino). Ao contrário do que talvez você pense, ninguém fica esperando um alinhamento planetário perfeito no céu para só então dar o pontapé inicial. Como falei lá atrás, é uma questão de escolha. E escolha é pessoal. Se, pra você, o risco de vender a casa aqui e ficar sem residência própria lá no Canadá é muito alto para correr, tudo bem. Se você fica com receio de levar sua esposa e seu filho pequeno para fora do país por não saber no que vai dar, ok. Não há problema nisso. Mas pense um tanto antes de falar que sua vida ou situação é "complicada" ou que você estaria abrindo mão de "muita coisa". Afinal de contas, emigrar é, antes de tudo, abrir mão de muita coisa.

À bientôt!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Primeira passagem comprada!

Existe toda uma mística permeada de corrente elétrica quando você clica na opção "somente ida" do site da companhia aérea. A sensação de que você está, de fato, deixando um outro lugar é empolgante e aterrorizante ao mesmo tempo!

Hoje eu finalmente comprei a passagem para ir para Brasília. Dia 15 de dezembro deixarei a cidade que foi meu lar pelos últimos sete anos e voltarei para aquela onde nasci, cresci, estudei e comecei minha vida profissional. Tô num misto de ansiedade, alegria, receio e medinho que só vendo! E olha que estou só "voltando pra casa"! Imagina quando for pra comprar aquela passagem, aquela que realmente rompe fronteiras e que será um divisor de águas! Haja Maracugina, e na veia!

E, agora, de volta à programação normal, porque ainda tenho muita roupa pra separar, caixa pra montar, bugiganga pra embalar... ah, e tenho que continuar indo ao trabalho também!

À bientôt!

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Carta de referência pedida

Olha, eu realmente não sei se carta de recomendação e carta de referência são amplamente utilizadas aqui no Brasil. Eu, particularmente, quase nunca vejo ninguém comentando sobre isso quando está procurando emprego ou se candidatando a vagas na universidade. Mâââââsss... eu não sou exemplo de pessoa experimentada, testada e embrutecida na iniciativa privada e, na vida púbrica, pfff... no máximo, rola um QI, mas ninguém coloca no papel.

Enfim, como eu não faço ideia dos caminhos que precisarei desbravar uma vez que estiver pisando em terras nortenhas, resolvi pedir uma carta de referência para o meu chefe atual. Vai que, néam? A minha ideia era dar uma lida em alguns modelos, ver o que o pessoal foca mais na hora de escrever (porque ninguém vai querer ler - ou acreditar - em 10 páginas de elogios), mas estou para fazer isso desde a semana passada e sempre esqueço. Daí esqueço também de perguntar pro meu chefe e aí a vida segue.

Mas hoje... ah, hoje foi diferente!

Meu chefe me chamou na sala dele para me passar algumas coisas e, no meio do papo, ele falou a palavra "carta" e - tuím! - meu cérebro fez as conexões necessárias e eu guardei para o fim. Quando ele me liberou, soltei um "aproveitando...", respirei fundo e perguntei se ele podia fazer uma carta de referência, já que estou prestes a sair. Eu não esperava que ele dissesse "não", mas a rapidez com que ele disse "sim" me pegou um tanto de surpresa. Achei que ele ia perguntar primeiro se ele precisaria colocar o cargo dele, o que precisaria especificar, se talvez não seria bom falar com a chefia máxima do órgão e todas essas coisas que tornam o serviço público tenro e aconchegante. Mas não. No fim, ele pediu pra eu fazer a carta e ele assinar (!), o que eu recusei porque meu estoque de óleo de peroba não dá nem chega pra redigir uma carta dizendo que sou uma das maravilhas do mundo moderno e passar isso pra outra assinar. E daí fechamos na alternativa de eu trazer um modelo e ele fazer em cima dele.

E aí agora vou ter que ir atrás de um modelo - o que já era previsto - e de algumas informações extras. Por exemplo, acabou de me ocorrer o seguinte: supondo que ele assine a carta até dezembro, mas eu a use efetivamente só daqui a um ou dois anos, o fato de a data já ser um tanto "velha" é um fator problemático? Porque obviamente não sei se ainda terei contato com o meu chefe daqui a um ou dois anos para poder pedir uma carta, então eu queria levar algumas cartas de referência para poder ter em mãos e usar conforme fosse necessário (para me candidatar à universidade, por exemplo). Alguém aí sabe dizer se essa dúvida procede ou se não preciso me preocupar?

De qualquer forma, é mais um passo em direção ao futuro. Vou contatar outros ex-chefes com quem ainda tenho contato e tentar juntar uma quantidade razoável de expressões de apreço pela minha pessoa.

À bientôt!

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

The Leftovers

Como falei alguns posts atrás, tenho sentido necessidade de diversificar os assuntos por aqui. E isso inclui falar de coisas que não têm nada a ver com a imigração. Então, se você pretendia ler mais algum capítulo sobre a minha mudança ou alguma novidade no processo, direito seu, mas acho que terá de aguardar mais um pouquinho.

Ainda aqui? Ok.

Ontem, eu terminei de assistir a temporada da série The Leftovers, da HBO. Tudo bem, eu sei que estou dando uma de Rubinho Barrichello, já que o último episódio foi ao ar em setembro (!), mas, tendo de conjugar verbos em francês todo dia, fazer exercícios de gramática, procurar informações sobre bairros em Montreal, "curiar" a vida dos colegas de jornada para o norte e, enfim, trabalhar (dentre outras coisas inadiáveis), acaba não me sobrando muito tempo para esses petiscos da vida, as séries de TV. A única série que eu vinha acompanhando é Game of Thrones, por razões óbvias (se não é óbvio para você, espero de coração que, um dia, passe a ser). E só comecei a assistir The Leftovers porque: (1) ela estreou no fim de semana seguinte ao fim da temporada de Game of Thrones, então eu não iria começar a acumular séries; (2) eram só dez episódios (como quase todas as séries da HBO), então, se fosse ruim, não perderia tanto tempo da vida; (3) é uma espera do cão entre uma temporada e outra de Game of Thrones, então ter outra série para ajudar a passar o tempo é bom. Então... desafio aceito!





Para quem não sabe, a série trata do desaparecimento de aproximadamente 2% da população mundial. Um desaparecimento desses de piscar os olhos e a pessoa sumir, puf, sem raios de luz, ventania jogando os cabelos do povo pro lado pra dar efeito ou coisa do tipo. Logo todo mundo (ou quase) faz a associação entre o desaparecimento e o arrebatamento, episódio previsto para ocorrer,  segundo algumas interpretações bíblicas, antes dos flagelos do Apocalipse, no qual os justos E bons E crentes E tementes a Deus seriam levados para "outro lugar" e não sofreriam o pandemônio, reservado especialmente para você aí, meu(minha) amigo(a) que faltou à missa domingo passado. O negócio é que todo mundo logo (também) se dá conta de que ou o conceito de "justo" e "bom" e etc da humanidade é diferente do de Deus, ou o que aconteceu foi outra coisa, já que uma galerinha adúltera, alguns assassinos e traficantes, além de pessoas de moral duvidosa somem do mapa, enquanto pessoas que você jura que estariam no início da fila do arrebatamento de tão puros continuam por aqui.

E aí? É de dar nó, ou quer arriscar um palpite?



Enfim, assisti o primeiro episódio e, ok, foi instigante. Não me deixou babando de ansiedade, mas não me fez correr. Mas confesso que, até o terceiro ou quarto episódio, a coisa ainda não tinha engatado pra mim. Eu estava um tanto perdido, até me dar conta que o mistério do arrebatamento é apenas o pano de fundo para as crises existenciais (e de outra natureza também) dos personagens retratados. A série se passa quase que exclusivamente na fictícia cidade de Mapleton - algo que soa como vilarejo de interior, do tipo que tem só duas casas, igreja, prefeitura, mais duas casas e acabou, mas que parece ser maiorzinha depois - e o telespectador acompanha alguns habitantes dali, três anos após o "Dia da Partida", e vê o impacto que o sumiço coletivo teve nas pessoas e na sociedade. E cara, vou te contar... é foda!

Adicione ao drama pessoal elementos "sobrenaturais" como sonhos enigmáticos, dupla personalidade aparente, profetas de todas as cores e tamanhos que juram saber a verdade do aconteceu (e os rebanhos que ele angariam) e organizações religiosas, pseudo-religiosas e do tipo "nenhuma-das-alternativas anteriores", que se dedicam aos mais variados fins. Dessas, a mais presente na série é a dos "Remanescentes Culpados", que faz de tudo para não deixar as pessoas esquecerem do "Dia da Partida" e continuarem as vidinhas medíocres, valendo-se de métodos que beiram a tortura psicológica. Aliás, o que eles fazem no último episódio da temporada teve, pra mim, a potência de uma voadora do Van Damme no queixo (ALERTA: referência do arco da véia detectada. Idade chegando). O penúltimo episódio, em que vemos, pela primeira vez, o momento da "partida" na vida dos personagens que acompanhamos desde o primeiro episódio, é incrivelmente tocante, bem escrito e montado. Um show para quem curte.

Enfim, não é uma série que vá agradar a todos, é óbvio, e eu entendo algumas das razões que já apontaram. Se você se dispuser a ver, acho que vale a pena ter em mente que o que interessa são os diálogos e as interpretações. Deixe pra lá o fato de que o criador da série é o mesmo de Lost (olhinhos virando pro alto), série com a qual é possível traçar alguns paralelos, mas que tem um tom bastante diferente desta.

E, se assistir (ou se já assistiu), me diga o que achou!

À bientôt!